O ideólogo das independências da Guiné-Bissau e Cabo Verde, Amílcar Cabral, foi considerado o segundo maior líder mundial de todos os tempos, numa lista elaborada por historiadores para a BBC. A história de vida de um dos maiores símbolos da resistência ao colonialismo em África, Amílcar Cabral, vai ser retratada num documentário “Amílcar — The African Utopias Maker”, do realizador espanhol Miguel Eek, com estreia está prevista para 2020.
A lista é da “BBC World Histories Magazine” e foi feita por historiadores, que nomearam aquele que consideraram o maior líder, alguém que exerceu poder e teve um impacto positivo na humanidade.
Num trabalho que começou no início do ano, a revista contou com a colaboração dos mais destacados historiadores e a votação de leitores, que escolheram como o maior líder de sempre Maharaja Ranjit Singh, líder do império sikh do início do século XIX.
Maharaja Ranjit Singh foi considerado um modernizador e unificador, com um reinado que marcou uma era muito positiva para o Punjab e o noroeste da Índia. Teve mais de 38% dos votos.
E logo a seguir, com 25% dos votos, aparece Amílcar Cabral, descrito como o “combatente pela independência africana”, que reuniu mais de um milhão de guineenses para se libertarem da ocupação portuguesa, uma acção que levou outros países africanos colonizados a lutarem pela independência.
Depois de Amílcar Cabral, surge na lista o britânico Winston Churchill, com 07% dos votos, e em quarto lugar o Presidente norte-americano Abraham Lincoln, seguindo-se na quinta posição a monarca britânica Elisabeth I.
A lista incluía o faraó AmenhotepIII, o rei inglês William III, o imperador da China Wu Zetian, a combatente francesa Joana d´Arc, o imperador do Mali Mansa Musa, a imperatriz russa Catarina, a Grande, ou o Papa Inocêncio III, entre uma vintena de nomes.
Amílcar Cabral foi escolhido pelo historiador britânico Hakim Adi, especialista em assuntos africanos, segundo o qual a luta de Amílcar Cabral pela independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde também transformou Portugal.
Professor de História de África e de Diáspora Africana na Universidade britânica de Chichester, Hakim Adi lembra, ao justificar a escolha de Amílcar Cabral, que grande parte dos países africanos alcançou a independência no início dos anos 1960, o que não aconteceu com as então colónias portuguesas.
E diz depois que “o grande Amílcar Cabral” além da luta pela independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde também teve um papel de liderança na libertação de outras colónias portuguesas. E essas lutas armadas acabaram por resultar numa revolução em Portugal “e no início de uma nova era democrática” no país.
“Muitos africanos continuam a ser inspirados pela grande liderança de Cabral. A sua vida e trabalho mostram que, quaisquer que sejam os obstáculos, as pessoas são capazes de ser os seus próprios libertadores”, diz o historiador.
Entre os historiadores convidados que escolheram os “seus” líderes contam-se o professor de História e cientista político especializado em história da China da Universidade de Oxford, Rana Mitter, a professora e historiadora da Universidade de Toronto, Margaret MacMillan, ou o historiador e director do Smithsonian’s National Museum of African Art em Washington, Gus Casely-Hayford.
Nascido na Guiné-Bissau em 12 de Setembro de 1924, filho de cabo-verdianos, Amílcar Cabral fundou o Partido Africano da Independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde (PAIGC), lançando as bases do movimento que levaria à independência das duas antigas colónias portuguesas.
O fundador do PAIGC foi assassinado em 20 de Janeiro de 1973, em Conacri, em circunstâncias ainda hoje não totalmente claras, antes de ver os dois países tornarem-se independentes.
“Nós queremos o poder nas mãos do nosso povo”
“H oje os filhos do mato da nossa terra, que ontem não tinham opinião nenhuma em relação à sua própria vida, ao seu destino, podem dar a sua opinião, podem decidir, desde a questão dos Comités do Partido, até aos tribunais populares, nos quais os filhos da nossa terra têm mostrado capacidade de julgar os erros, os crimes, e outras faltas cometidas por outros filhos da nossa terra.
Essa é mais uma prova clara de que esta luta é do nosso povo, feita pelo nosso povo e para o nosso povo.
Mas vários camaradas do nosso Partido, tanto altos responsáveis como pequenos, seja até simples combatentes, não têm compreendido isso muito bem. Têm tentado fazer a luta um bocado no seu interesse, eles afinal é que são o povo. A luta é do nosso povo, feita pelo nosso povo, mas para eles. Esse é dos erros mais graves que se podem cometer numa luta como a nossa.
Não podemos permitir de maneira nenhuma que as nossas Forças Armadas, os nossos militantes ou os nossos responsáveis, se esqueçam, por um momento que seja, que a maior consideração, o maior respeito, a maior dedicação, devem ser para o povo da nossa terra, para as nossas populações, sobretudo nas áreas libertadas da nossa terra.
Mas daqui a algum tempo, quando tomarmos a nossa independência, por exemplo, quem quiser que a nossa terra seja independente, mas não quer que as mulheres sejam livres, e quiser continuar a explorar as mulheres da nossa terra, esse hoje é povo, mas amanhã já não será.
Se nós queremos que todas as crianças da nossa terra sejam respeitadas e algum de entre nós não quiser isso, esse já será população, não será povo.
O nosso objectivo é fazer o progresso e a felicidade do nosso povo, mas nós não podemos fazê-lo contra o nosso povo. Ora, se alguns da nossa terra não querem isso, ou eles não são povo, e então nós podemos fazer tudo contra eles e talvez mesmo os púnhamos na cadeia, ou então eles são muitos e representam o povo e, nessa altura, nós paramos; não podemos fazer nada, porque não se pode fazer a felicidade e o progresso de alguém contra a sua vontade.
Temos que entender bem, portanto, que em cada fase da história duma nação, duma terra, duma população, duma sociedade, o povo define-se consoante a linha mestra da história dessa sociedade, consoante os interesses máximos da maioria dessa sociedade.
O termo democracia foi criado na Grécia, em Antenas (Demo + cracia = governo do povo). Mas quem foi que o criou? Em Antenas havia nobres, Senhores (donos da terra) e depois os escravos, que trabalhavam para todos os outros.
A democracia para eles era só para os de cima, eles é que eram o povo, os outros eram escravos. Até hoje é a mesma coisa em muitos lados. Quem tem a força na mão, o poder, faz a democracia para ele.
Nós, na nossa terra, queremos que a maioria tenha o poder nas mãos. Mas nós queremos o poder nas mãos do nosso povo.”
O autor deste texto foi Amílcar Cabral que, de facto, na História de África tem lugar de destaque ao lado de outras figuras de relevo mundial, como N’Krumahn, Nasser, Senghor, Boigny e Hassan II.
“Se alguém me há-de fazer mal, é quem está aqui entre nós. Ninguém mais pode estragar o PAIGC, só nós próprios….”, dizia Amílcar Cabral, eventualmente antecipando o que a história ainda não contou com total fiabilidade.
Em 1969, Amílcar Cabral afirmava algo que deveria fazer pensar todos aqueles que, hoje, beneficiam da luta de outrora: “Jurei a mim mesmo que tenho que dar a minha vida, toda a minha energia, toda a minha coragem, toda a capacidade que posso ter como homem, até ao dia em que morrer, ao serviço do meu povo, ao serviço da causa da humanidade, para dar a minha contribuição, na medida do possível, para a vida do homem se tornar melhor no mundo. Este é que é o meu trabalho.”
E acrescentava, numa mensagem que deveria hoje ser lida, por exemplo, pelo Presidente João Lourenço: “Nós queremos que tudo quanto conquistarmos nesta luta pertença ao nosso povo e temos que fazer o máximo para criar uma tal organização que mesmo que alguns de nós queiram desviar as conquistas da luta para os seus interesses, o nosso povo não deixe. Isso é muito importante.”
No nosso caso, se o MPLA é Angola e Angola é o MPLA, herói nacional só há um, Agostinho Neto. Quando o MPLA for apenas um dos partidos do país e Angola for um verdadeiro Estado de Direito, então haverá outros heróis.
Até lá, os angolanos continuarão sujeitos à lavagem do cérebro de modo a que julguem que António Agostinho Neto foi o único a dar um contributo na luta armada contra o colonialismo português e para a conquista da independência nacional.
Agostinho Neto é, aliás, um paradigma da “cultura” do regime. O dia 17 de Setembro, instituído feriado nacional em 1980 pela então Assembleia do Povo, um ano após o seu falecimento na antiga União das Republicas Socialistas Soviéticas, deve-se, segundo a cartilha do MPLA, ao reconhecimento do seu empenho na libertação de Angola, em particular, e do continente africano.
Fruto da entrega de Agostinho Neto à causa libertadora dos povos, o Zimbabué e a Namíbia ascenderam igualmente à independência, assim como contribuiu para o fim do Apartheid na África do Sul, esclarecem os donos do poder em Angola.
Pelos vistos, desde 1961 e até agora que só existe Agostinho Neto, já que Eduardo dos Santos foi um “flop” e João Lourenço é apenas candidato. Se calhar até é verdade. Aliás, bem vistas as coisas, Holden Roberto e Jonas Savimbi, FNLA e UNITA, nunca existiram e são apenas resultado da imaginação de uns tantos analfabetos e lunáticos.
Agostinho Neto foi também, segundo uma cartilha herdada do regime de partido único (hoje em termos práticos assim continua, repita-se), “um esclarecido homem de cultura para quem as manifestações culturais tinham de ser antes de mais a expressão viva das aspirações dos oprimidos, arma para a denúncia dos opressores, instrumentos para a reconstrução da nova vida”.
Continuemos, contudo, a ver a lavagem cerebral – bem visível hoje em todo o país – que o regime do MPLA pretende levar a cabo: “Dotado de um invulgar dinamismo e capacidade de trabalho, Agostinho Neto, até à hora do seu desaparecimento físico, foi incansável na sua participação pessoal para resolução de todos os problemas relacionados com a vida do partido, do povo e do Estado”.
Numa coisa a cartilha do MPLA tem toda a razão e actualidade: “como marxista-leninista convicto, Agostinho Neto reafirmou constantemente o papel dirigente do partido, a necessidade da sua estrutura orgânica e o fortalecimento ideológico, garantia segura para a criação e consolidação dos órgãos do poder popular, forma institucional da gestão dos destinos da Nação pelos operários e camponeses”.
Folha 8 com Lusa
Um democrata, que levaria grande parte dos países África a democratizar antes dos anos 80. O seu percurso tinha de ser interrompido, aviam outros interesses.
”O nosso objectivo é fazer o progresso e a felicidade do nosso povo, mas nós não podemos fazê-lo contra o nosso povo. Ora, se alguns da nossa terra não querem isso, ou eles não são povo, e então nós podemos fazer tudo contra eles e talvez mesmo os púnhamos na cadeia, ou então eles são muitos e representam o povo e, nessa altura, nós paramos; não podemos fazer nada, porque não se pode fazer a felicidade e o progresso de alguém contra a sua vontade.
Temos que entender bem, portanto, que em cada fase da história duma nação, duma terra, duma população, duma sociedade, o povo define-se consoante a linha mestra da história dessa sociedade, consoante os interesses máximos da maioria dessa sociedade.”